segunda-feira, 7 de janeiro de 2013

"O TEMPO PASSOU E ME FORMEI EM SOLIDÃO" - José Antônio Oliveira de Resende


PARA REFLEXÃO


"O TEMPO PASSOU E ME FORMEI EM SOLIDÃO" - José Antônio Oliveira de Resende

Sou do tempo em que ainda se faziam visitas. Lembro-me de minha mãe mandando a gente caprichar no banho porque a família toda iria visitar algum conhecido. Íamos todos juntos, família grande, todo mundo a pé. Geralmente, à noite.
  Ninguém avisava nada, o costume era chegar de paraquedas mesmo. E os donos da casa recebiam alegres a visita. Aos poucos, os moradores iam se apresentando, um por um.
 – Olha o compadre aqui, garoto! Cumprimenta a comadre.
   E o garoto apertava a mão do meu pai, da minha mãe, a minha mão e a mão dos meus irmãos. Aí chegava outro menino. Repetia-se toda a diplomacia.
 – Mas vamos nos assentar, gente. Que surpresa agradável!
   A conversa rolava solta na sala. Meu pai conversando com o compadre e minha mãe de papo com a comadre. Eu e meus irmãos ficávamos assentados todos num mesmo sofá, entreolhando-nos e olhando a casa do tal compadre. Retratos na parede, duas imagens de santos numa cantoneira, flores na mesinha de centro... casa singela e acolhedora. A nossa também era assim.
   Também eram assim as visitas, singelas e acolhedoras. Tão acolhedoras que era também costume servir um bom café aos visitantes. Como um anjo benfazejo, surgia alguém lá da cozinha – geralmente uma das filhas – e dizia:
   – Gente, vem aqui pra dentro que o café está na mesa.
   Tratava-se de uma metonímia gastronômica. O café era apenas uma parte: pães, bolo, broas, queijo fresco, manteiga, biscoitos, leite... tudo sobre a mesa.
   Juntava todo mundo e as piadas pipocavam. As gargalhadas também. Pra que televisão? Pra que rua? Pra que droga? A vida estava ali, no riso, no café, na conversa, no abraço, na esperança... Era a vida respingando eternidade nos momentos que acabam.... era a vida transbordando simplicidade, alegria e amizade...
   Quando saíamos, os donos da casa ficavam à porta até que virássemos a esquina. Ainda nos acenávamos. E voltávamos para casa, caminhada muitas vezes longa, sem carro, mas com o coração aquecido pela ternura e pela acolhida. Era assim também lá em casa. Recebíamos as visitas com o coração em festa.. A mesma alegria se repetia. Quando iam embora, também ficávamos, a família toda, à porta. Olhávamos, olhávamos... até que sumissem no horizonte da noite.
   O tempo passou e me formei em solidão. Tive bons professores: televisão, vídeo, DVD, e-mail... Cada um na sua e ninguém na de ninguém. Não se recebe mais em casa. Agora a gente combina encontros com os amigos fora de casa:
   – Vamos marcar uma saída!... – ninguém quer entrar mais.
   Assim, as casas vão se transformando em túmulos sem epitáfios, que escondem mortos anônimos e possibilidades enterradas. Cemitério urbano, onde perambulam zumbis e fantasmas mais assustados que assustadores.
   Casas trancadas... Pra que abrir? O ladrão pode entrar e roubar a lembrança do café, dos pães, do bolo, das broas, do queijo fresco, da manteiga, dos biscoitos do leite...
   Que saudade do compadre e da comadre! 

2 comentários:

  1. Excelente!!! Sei bem do que voce está falando pois, vivi coisa muito parecida na minha infância. Só que era no sitio dos meus avós onde fui morar logo após a morte dos meus pais.
    Roselita

    ResponderExcluir
  2. JOSÉ ANTONIO QUE TAL ESCREVER UM LIVRO DE CRONICAS DA SUA INFANCIA/ TEXTO LINDO11 VC TEM GEITO PARA ISTO POR ISSO EU COMPREI UMA PEQUENA CASINHA NO INTERIOR PARA FUGIR DA SOLIDÃO E DAS PORTSAS TRANCADAS DA CLASSE MEDIA ONDE MORO NO BAIRRO DO IMBUI LÁ AS PESSOAS AINDA ENTRAM EM MINHA CASA VC FAÇA O MESMO SO FICA DISTANTE UMA HORA DE SALVADOR EU DESÇO TODO FINAL DE SEMANA.. neuza lima..

    ResponderExcluir