Um pouco de história militar
Por que a 148ª Divisão Alemã se entregou somente aos brasileiros na Itália?
Cel.Hiram Reis e Silva
“Foi em abril de 1945. Os alemães tinham retraído da Linha Gótica depois da nossa vitória em Montese, e provavelmente pretendiam nos esperar no vale do rio Pó, mais ao Norte. Nosso Esquadrão de Reconhecimento, comandado pelo Pitaluga, os avistou na Vila de Collechio, um pouco antes do rio. A pedido do General fui ver pessoalmente e lá, por ser o mais antigo, coordenei a noite um pequeno ataque com o esquadrão e um pelotão de infantaria, sem
intenção maior do que avaliar, pela reação, a força do inimigo. Sem defender efetivamente o local, os alemães passaram para o outro lado do rio e explodiram a ponte. Então observamos que se tratava de uma tropa muito maior do que poderíamos ter imaginado. Eram milhares deles e nós tínhamos atacado com uma dezena de tanques e pouco mais de cinquenta soldados”.
“Informamos ao comando superior que o inimigo teria lá pelo menos um regimento. O comando, numa decisão ousada, pegou todos os caminhões da artilharia, encheu-os de soldados e os mandou em reforço à pequena tropa que fazia frente a tantos milhares.” – ” Considerei cumprida a minha parte e fui jantar com o Coronel Brayner, que comandava a tropa que chegara” prosseguiu Dionísio. “Durante a frugal refeição de campanha, apresentaram-se três oficiais alemães com uma bandeira branca, dizendo que vieram tratar da rendição. Fiquei de interprete, mas estava confuso; no início nem sabia bem se eles queriam se entregar ou se estavam pensando que nós nos entregaríamos, face ao vulto das tropas deles, que por sinal mantinham um violento fogo para mostrar seu poderio”.
“Esclarecida a situação, pediram três condições: que conservassem suas medalhas; que os italianos das tropas deles fossem tratados como prisioneiros de guerra (normalmente os italianos que acompanhavam os alemães eram fuzilados pelos comunistas italianos das tropas aliadas) e que não fossem entregues à guarda dos negros norte-americanos”.
“Esta última exigência merece uma explicação: a primeira vista parece racismo. Que os alemães são racistas é óbvio, mas porque então eles se entregaram aos nossos soldados, muitos deles negros? Bem, os negros americanos naquela época constituíam uma tropa só de soldados negros, mas comandada por oficiais brancos. Discriminados em sua pátria, descontavam sua
raiva dos brancos nos prisioneiros alemães, aos quais submetiam a torturas e vinganças brutais. É claro que contra eles os alemães lutariam até a morte.
Não era só uma questão de racismo”.
“Eu perguntei ao interprete do lado alemão (nos entendíamos em uma mistura de inglês, italiano e alemão), por que queriam se render, com tropa muito superior aos nossos efetivos e ocupando uma boa posição do outro lado do rio. Ele me respondeu que a guerra estava perdida, que tinham quatrocentos feridos sem atendimento, que estavam gastando os últimos cartuchos para sustentar o fogo naquele momento e que estavam morrendo de fome. Que queriam aproveitar a oportunidade de se render aos brasileiros porque sabiam que
teriam bom tratamento”.
“Combinada a rendição, cessou o fogo dos dois lados. Na manhã seguinte vieram as formações marchando garbosamente, cantando a canção ‘velhos camaradas’, também conhecida no nosso Exército”.
“A cerimônia era tocante” – prosseguiu Dionísio. “Era até mais cordial do que o final de uma partida de futebol. Podíamos ser inimigos, mas nos respeitávamos e parecia até haver alguma afeição. Eles vinham marchando e cada companhia colocava suas armas numa pilha, continuando em forma, e seu comandante apresentava a tropa ao oficial brasileiro que lhe destinava um local de estacionamento. Só então os comandantes alemães se desarmavam. A
primeira Unidade combatente a chegar foi o 36 Regimento de Infantaria da 9° Divisão Panzer Grenadier. Seguiram-se mais de 14 mil homens, na maioria alemães, da 148° Divisão de Infantaria e da Divisão Bessaglieri Itália que os acompanhava”.
“Entretanto houve um trágico incidente: Um nosso soldado, num impulso de momento, não se conteve e arrancou a Cruz de Ferro do peito de um sargento alemão. O sargento, sem olhar para o soldado, pediu licença a seu comandante para sair de forma, pegou uma metralhadora em uma pilha de armas a seu lado e atirou no peito do brasileiro, largou a arma na pilha e entrou novamente em forma antes que todos se refizessem da surpresa. Por um momento ninguém sabia o que fazer. Já vários dos nossos empunhavam suas armas quando o oficial alemão sacou da sua e atirou na cabeça do seu sargento, que esperou o tiro em forma, olhando firme para frente. Um frio percorreu a espinha de todos, mas foi a melhor solução” - Concluiu Dionísio.
Ao ouvir esta história, eu já tinha mais de dez anos de serviço, mas não pude deixar de me emocionar. Não foram as tragédias nem as atitudes altivas o que mais me impressionaram. O que mais me marcou foi o bom coração de nossa gente, a magnanimidade e a bondade de sentimentos, coisas capazes de serem reconhecidas até pelo inimigo. Capazes não só de poupar vidas como também de facilitar a vitória. É claro que isto só foi possível porque os alemães estavam em situação crítica; noutro caso, ninguém se entregará só porque o inimigo é bonzinho, mas que a crueldade pode fazer o inimigo resistir até a morte, isto também é real. Na História Pátria podemos ver como Caxias, agindo com bondade, só pacificou, e como Moreira César, com sua crueldade, só incentivou a resistência até a morte em Canudos.
O General Dionísio e o interprete alemão – Major Kludge, se tornaram amigos e se corresponderam até a morte do primeiro, no início dos anos 90. O General Mark Clark, comandante do 5° Exército norte-americano, ao qual a FEB estava incorporada, disse que foi um magnífico final de uma ação magnífica.
Dionísio disse apenas que a história real é ainda mais bonita do que se fosse somente um grande feito militar."
Cel.Hiram Reis e Silva
“Foi em abril de 1945. Os alemães tinham retraído da Linha Gótica depois da nossa vitória em Montese, e provavelmente pretendiam nos esperar no vale do rio Pó, mais ao Norte. Nosso Esquadrão de Reconhecimento, comandado pelo Pitaluga, os avistou na Vila de Collechio, um pouco antes do rio. A pedido do General fui ver pessoalmente e lá, por ser o mais antigo, coordenei a noite um pequeno ataque com o esquadrão e um pelotão de infantaria, sem
intenção maior do que avaliar, pela reação, a força do inimigo. Sem defender efetivamente o local, os alemães passaram para o outro lado do rio e explodiram a ponte. Então observamos que se tratava de uma tropa muito maior do que poderíamos ter imaginado. Eram milhares deles e nós tínhamos atacado com uma dezena de tanques e pouco mais de cinquenta soldados”.
“Informamos ao comando superior que o inimigo teria lá pelo menos um regimento. O comando, numa decisão ousada, pegou todos os caminhões da artilharia, encheu-os de soldados e os mandou em reforço à pequena tropa que fazia frente a tantos milhares.” – ” Considerei cumprida a minha parte e fui jantar com o Coronel Brayner, que comandava a tropa que chegara” prosseguiu Dionísio. “Durante a frugal refeição de campanha, apresentaram-se três oficiais alemães com uma bandeira branca, dizendo que vieram tratar da rendição. Fiquei de interprete, mas estava confuso; no início nem sabia bem se eles queriam se entregar ou se estavam pensando que nós nos entregaríamos, face ao vulto das tropas deles, que por sinal mantinham um violento fogo para mostrar seu poderio”.
“Esclarecida a situação, pediram três condições: que conservassem suas medalhas; que os italianos das tropas deles fossem tratados como prisioneiros de guerra (normalmente os italianos que acompanhavam os alemães eram fuzilados pelos comunistas italianos das tropas aliadas) e que não fossem entregues à guarda dos negros norte-americanos”.
“Esta última exigência merece uma explicação: a primeira vista parece racismo. Que os alemães são racistas é óbvio, mas porque então eles se entregaram aos nossos soldados, muitos deles negros? Bem, os negros americanos naquela época constituíam uma tropa só de soldados negros, mas comandada por oficiais brancos. Discriminados em sua pátria, descontavam sua
raiva dos brancos nos prisioneiros alemães, aos quais submetiam a torturas e vinganças brutais. É claro que contra eles os alemães lutariam até a morte.
Não era só uma questão de racismo”.
“Eu perguntei ao interprete do lado alemão (nos entendíamos em uma mistura de inglês, italiano e alemão), por que queriam se render, com tropa muito superior aos nossos efetivos e ocupando uma boa posição do outro lado do rio. Ele me respondeu que a guerra estava perdida, que tinham quatrocentos feridos sem atendimento, que estavam gastando os últimos cartuchos para sustentar o fogo naquele momento e que estavam morrendo de fome. Que queriam aproveitar a oportunidade de se render aos brasileiros porque sabiam que
teriam bom tratamento”.
“Combinada a rendição, cessou o fogo dos dois lados. Na manhã seguinte vieram as formações marchando garbosamente, cantando a canção ‘velhos camaradas’, também conhecida no nosso Exército”.
“A cerimônia era tocante” – prosseguiu Dionísio. “Era até mais cordial do que o final de uma partida de futebol. Podíamos ser inimigos, mas nos respeitávamos e parecia até haver alguma afeição. Eles vinham marchando e cada companhia colocava suas armas numa pilha, continuando em forma, e seu comandante apresentava a tropa ao oficial brasileiro que lhe destinava um local de estacionamento. Só então os comandantes alemães se desarmavam. A
primeira Unidade combatente a chegar foi o 36 Regimento de Infantaria da 9° Divisão Panzer Grenadier. Seguiram-se mais de 14 mil homens, na maioria alemães, da 148° Divisão de Infantaria e da Divisão Bessaglieri Itália que os acompanhava”.
“Entretanto houve um trágico incidente: Um nosso soldado, num impulso de momento, não se conteve e arrancou a Cruz de Ferro do peito de um sargento alemão. O sargento, sem olhar para o soldado, pediu licença a seu comandante para sair de forma, pegou uma metralhadora em uma pilha de armas a seu lado e atirou no peito do brasileiro, largou a arma na pilha e entrou novamente em forma antes que todos se refizessem da surpresa. Por um momento ninguém sabia o que fazer. Já vários dos nossos empunhavam suas armas quando o oficial alemão sacou da sua e atirou na cabeça do seu sargento, que esperou o tiro em forma, olhando firme para frente. Um frio percorreu a espinha de todos, mas foi a melhor solução” - Concluiu Dionísio.
Ao ouvir esta história, eu já tinha mais de dez anos de serviço, mas não pude deixar de me emocionar. Não foram as tragédias nem as atitudes altivas o que mais me impressionaram. O que mais me marcou foi o bom coração de nossa gente, a magnanimidade e a bondade de sentimentos, coisas capazes de serem reconhecidas até pelo inimigo. Capazes não só de poupar vidas como também de facilitar a vitória. É claro que isto só foi possível porque os alemães estavam em situação crítica; noutro caso, ninguém se entregará só porque o inimigo é bonzinho, mas que a crueldade pode fazer o inimigo resistir até a morte, isto também é real. Na História Pátria podemos ver como Caxias, agindo com bondade, só pacificou, e como Moreira César, com sua crueldade, só incentivou a resistência até a morte em Canudos.
O General Dionísio e o interprete alemão – Major Kludge, se tornaram amigos e se corresponderam até a morte do primeiro, no início dos anos 90. O General Mark Clark, comandante do 5° Exército norte-americano, ao qual a FEB estava incorporada, disse que foi um magnífico final de uma ação magnífica.
Dionísio disse apenas que a história real é ainda mais bonita do que se fosse somente um grande feito militar."
Nenhum comentário:
Postar um comentário