quarta-feira, 30 de outubro de 2013

Voluntários levam projeto de saúde bucal a comunidade ribeirinha


Voluntários levam projeto de saúde bucal a comunidade ribeirinha

Profissionais trabalham em comunidades de difícil acesso, no Alto Arapiuns. Além de atendimentos odontológicos, projeto ensina higiene bucal.

Joab Ferreira

Imagem
Moradores da Nova Canaã vão ao encontro dos integrantes do projeto (Foto: Joab Ferreira/G1)
Ao ouvir o barulho do Black Hawk da Força Aérea Brasileira (FAB) se aproximando, todos os moradores da comunidade Nova Canaã correram para a pista de pouso improvisada, feita dias antes para receber os integrantes do Projeto Alto Arapiuns. Após a aterrissagem, dezenas de pessoas foram ao encontro dos profissionais que saíram de suas casas a quilômetros de distância para prestar assistência odontológica e social no meio da Amazônia. Para os moradores à beira do rio Inambu, tão emocionante quanto ver pela primeira vez um helicóptero de perto, foi saber que receberiam um tratamento odontológico completo.

Nova Canaã é uma comunidade pequena, onde 23 famílias sobrevivem, basicamente, da caça e da pesca. A renda vem da produção da farinha de mandioca, em que a parte excedente é comercializada em comunidades vizinhas, e da extração de madeira, que é transformada em móveis e pequenas embarcações. Além dos programas de assistencialismo do Governo Federal.
A comunidade se localiza a 150 km de Santarém, no oeste do Pará, em linha reta, às margens do rio Inambu, afluente do rio Maró. Quando os moradores precisam se deslocar até a cidade, é preciso enfrentar uma maratona de 30 horas de barco. No entanto, na época da vazante dos rios, a navegação se complica ainda mais. Nova Canaã fica 8h acima da Cachoeira do Maró, e durante os meses de setembro a dezembro, apenas rabetas (canoas motorizadas) conseguem atravessar a cachoeira, correndo perigo. Bajaras (pequenas embarcações) e barcos ficam sem navegar pelo rio, até que o nível das águas suba novamente.
Assim como Nova Canaã, mais 15 comunidades foram escolhidas pelo projeto, todas no Alto Arapiuns. Região isolada e de uma população carente de necessidades básicas, principalmente referentes à saúde, e sem nenhum trabalho permanente de educação, que promova mudança na vida das pessoas.
Atendimentos

“Se você quer um Brasil melhor, precisa ajudar a construí-lo”. Com essa frase, Lelis Fachini Filho, idealizador e diretor do programa de Desenvolvimento Sustentável para o Alto Arapiuns, motiva a sua equipe de voluntários a construir um futuro melhor para centenas de crianças e adolescentes que moram nos afluentes do rio Arapiuns. O programa é desenvolvido pelo Aeroclube de Voo a Vela CTA de São José dos Campos (SP), uma organização sem fins lucrativos. O programa, que não tem relações com igrejas, nem com grupos políticos, se subdivide em três projetos: o projeto de saúde bucal (consolidado), de comunicação (em implantação) e o de segurança alimentar (em planejamento).
A equipe chegou à comunidade na quarta-feira (23) à tarde, e foi recepcionada com muita festa. Crianças, jovens e adultos que estudam na comunidade, organizaram um coral para mostrar a gratidão ao receber a ajuda do grupo de voluntários. Aproveitando a data, Dia do Aviador, os moradores cantaram ‘parabéns pra você’ para a tripulação da Força Aérea Brasileira (FAB) e, também, para o comandante da TAM, Lelis Fachini Filho, diretor do programa.
O presidente comunitário, Valdemar Fernandes da Silva, de 46 anos, não esconde a alegria de receber um projeto dessa dimensão na comunidade, e também aproveita para cobrar o governo. “Foi uma conquista muito grande, nem estávamos acreditando que aconteceria, até para mostrar para o nosso governo, que poderia dar mais atenção à saúde e qualidade de vida da população, enquanto que o povo que está vindo de fora vê a situação da comunidade e ajuda. É um privilégio muito grande receber”, explica.

Maria Rosa Fernandes da Silva, de 34 anos, tem 12 filhos. Sete foram atendidos. Ela conta que muitos dos seus filhos nunca tinham ido a um dentista. “Aqui é muito isolado, fica difícil de sair. E, também, não é em todo lugar que tem tratamento de dente. Quando tem dentista em alguma outra comunidade, a gente vai até lá, mas nem sempre é atendido”. Os filhos de dona Rosa se comportaram bem. Até a pequena Rosângela, de 6 anos, encarou a cadeira do dentista sem problemas. “Nem doeu”, diz.

Para desespero de José Maria dos Santos, de 39 anos, o filho Jeremias, de 4 anos, não quis cooperar com a equipe. A criança fez de tudo para não ser atendida. Chorou, gritou, esperneou e até mordeu um dos dentistas. Mas, depois de muita insistência e paciência, com três pessoas segurando-o na cadeira, finalmente o procedimento pode ser realizado. Dos cinco filhos de José, quatro foram atendidos. “Depois de muita luta, graças a Deus terminou”, comemora, bastante suado, o pai.
No total, das 66 crianças atendidas, 55 receberam tratamento completo. 11 adultos que se encontravam em situação mais grave, também foram atendidos. Quase 300 procedimentos foram realizados.
Voluntários

Todos os integrantes do projeto são voluntários. E, segundo Lelis Fachini Filho, essa é a maior riqueza do projeto. Além do próprio diretor do programa, participaram uma enfermeira, que coordenadora o projeto de saúde bucal, assistente social, técnico em saúde bucal, dentistas e jornalista. Ao todo, 10 pessoas estiveram envolvidas diretamente.
Fachini espera que projetos como esse possam despertar o espírito de voluntariado em mais pessoas, para modificar a realidade social brasileira. “É imperativo que a sociedade, que o setor privado, se mobilize para o social. Se a gente quer um Brasil socialmente mais justo, a gente tem que comprar. Comprar com mais trabalho, comprar, inclusive, colocando a mão no bolso. Os que são mais privilegiados têm que entender que temos uma dívida com os menos privilegiados, e que mesmo o governo fazendo 100% ainda precisaria da nossa participação”, contextualiza.
“A gente prima muito pela educação e pela segurança. Fazemos o máximo possível de aproximação na montagem da clínica, seguindo todos os critérios de biossegurança. Tomamos o maior cuidado para dar a destinação certa aos materiais usados, sem risco. Temos o rigor para evitar qualquer tipo de infecção, também. Então, mais que na cidade, temos que ter esse rigor para evitar qualquer tipo de problemas. Até hoje não tivemos nenhum caso de complicação”, explica a coordenadora do Projeto, enfermeira Glaucy Sakai Passos. Ela explica que está adaptando a legislação feita para a cidade para outros tipos de ambientes e culturas, onde não se pode contar com toda a infraestrutura adequada.

O responsável técnico pela clínica, Dirceu Carvalho, de 27 anos, é de Anápolis (GO) e conhece o projeto há dois anos. “A ideia é promover uma mudança de hábitos, trazendo informações que os ribeirinhos não têm, e incorporando-as na rotina deles, como a escovação diária. O principal do nosso projeto é a parte da educação, porque é através dela que a gente vai conseguir realmente mudar alguma coisa”.
A cearense Ticiana Campos, de 26 anos, se surpreendeu com a organização do projeto e com a estrutura de trabalho. “Superou todas as minhas expectativas, tanto na clínica quanto na recepção do povo. Não tive paciente que me deu trabalho, mesmo os que tinham restaurações extensas, ou extrações. Foi tudo maravilhoso, bem melhor do que eu imaginava”, conta a dentista.
Outro que também veio de Fortaleza (CE) foi o dentista Anderson Marques, de 25 anos. Foi a primeira vez que ele se descolocou para um projeto tão longe. “O trabalho que a gente conseguiu fazer aqui foi efetivo. Conseguimos conscientizar as pessoas a mudar os hábitos de higiene, aliado ao trabalho na clínica. A estrutura do projeto e o suporte foram muito bons”.

Raquel Passos, de 27 anos, saiu de Brasília (DF) para participar do projeto. Apesar de nunca ter dormido em uma rede, a dentista encarou o desafio de passar quatro dias na Amazônia. “O projeto é muito interessante, trabalhamos bastante, tentamos melhorar a qualidade de vida das pessoas. É claro que alguns pacientes deram trabalho, como foi o caso de uma criança que tinha 24 cáries em apenas 20 dentes, mas a clínica tinha condições excelentes”.
A assistente social Amanda Fidelis, de 23 anos, que mora em Santarém (PA), participa pela quinta vez do projeto. Ela é a responsável por trabalhar a parte de educação com as crianças e os pais. Amanda ressalta a importância de ensinar sobre os cuidados que se deve ter com a higiene bucal e criar o hábito da escovação. “Em lugares como este, em que falta o acesso à saúde, é importante conscientizá-los para que cuidem bem dos dentes, porque depois que cai, não nasce outro no lugar. E, uma vez que aprendam, levarão para sempre com eles”.
Luciane Tonon, de 43 anos, é comissária de bordo e tem formação em jornalismo e educação física. Ela veio de Santos (SP) para participar, pela primeira vez, do projeto, e contribuir com a parte de comunicação. “Tenho muito amor por crianças e estou adorando estar aqui. É uma comunidade muito receptiva. Estou pronta para o que der e vier”.
Programa de Desenvolvimento Sustentável

O programa de desenvolvimento sustentável em comunidades ribeirinhas de difícil acesso localizadas às margens dos rios Aruã e Maró, mobiliza recursos humanos e materiais em ações voluntárias que contribuam para assistência à saúde e melhoria da qualidade de vida da população do Alto Arapiuns, utilizando a aviação como forma de potencializar o tempo investido.
O piloto Lelis Fachini Filho conhece de perto a realidade vivida pelas comunidades ribeirinhas da Amazônia, assim como de outros povos tradicionais. Ele sempre teve o sonho de contribuir com o social, através de sua profissão de aviador. Mas isso só foi possível quando ele começou a voar escalas internacionais, o que o proporcionou mais tempo para o voluntariado. Foi aqui que começaram os primeiros passos do programa.
Em 2010 e 2011 foram realizadas as primeiras viagens para pesquisar onde o projeto atuaria. Nesse processo, um sociólogo e um antropólogo realizaram entrevistas em comunidades indígenas, ribeirinhas e sertanejas. Após análise, ficou decidido que o trabalho seria realizado em comunidades ribeirinhas de difícil acesso, no Alto Arapiuns, onde não houvesse nenhum trabalho do gênero. Foram escolhidas 16 comunidades.
Ele conta que quis montar um projeto com a visão de aviador. “Porque, como aviador, eu enxergo coisas que as pessoas, por baixo, não enxergam. Também tenho a possibilidade de me deslocar com uma velocidade que outras pessoas não teriam. Eu queria fazer um projeto numa área remota e isolada”, esse era o primeiro conceito, explica Fachini.

Outro ponto observado pelo piloto, é que o projeto não teria caráter assistencialista. Seria necessário fazer algo realmente capaz de produzir mudanças. “O assistencialismo perpetua a pobreza. Para mim, o importante era ter um projeto que permitisse transformação e produzisse desenvolvimento”, esclarece. E, com forte foco na educação, o projeto tem conseguido prestar uma assistência transformadora. Além de oferecer o tratamento de saúde bucal, também ensinam as crianças e adolescentes a cuidarem da higiene bucal.
Saúde Bucal
Durante o período de pesquisa, Lelis Fachini Filho e a enfermeira Glaucy Sakai Passos, viram que a maior necessidade das populações ribeirinhas era a respeito da saúde bucal. Era grande o número de crianças e adolescentes sem dentes, ou com dentes cariados. Após isso, foi decidido que o foco de atuação seria na saúde bucal, com forte apelo educacional para mudanças de hábitos.

O projeto se desenvolve, em média, durante três dias na comunidade, com ações direcionadas a crianças e adolescentes de 0 a 15 anos, além de adultos em casos de urgência. No primeiro dia é feito o levantamento epidemiológico e dos índices de saúde bucal. No segundo dia é montada a clínica odontológica com as equipes para atendimento de restaurações, cirurgia, e ART (tratamento restaurador traumático). No terceiro dia é realizada a escovação supervisionada e aplicação de flúor, após a entrega de kits compostos por escova, creme dental e fio dental.
O planejamento para cada viagem envolve, em média, dois meses. É o tempo necessário para levantar recursos para o projeto, escolher os voluntários, estudar a logística, conhecer mais de perto a realidade da comunidade e traçar o cronograma. Tudo é muito bem planejado. É durante esse tempo que as visitas preliminares acontecem.

s moradores são questionados se têm interesse em receber o projeto e se autorizam a realização das atividades. Se a resposta for positiva, é assinado um termo de compromisso pelas autoridades do local. No momento do cadastro de cada família, os responsáveis também assinam um documento autorizando o tratamento odontológico e as pesquisas que são realizadas em paralelo ao projeto. A Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) pesquisa o índice de CPO-D (número de dentes cariados, perdidos e obturados) e ceod, e o Centro Universitário de Anápolis (UniEvangélica) faz pesquisas sobre biossegurança.
O projeto de saúde bucal já realizou 15 viagens desde novembro de 2011, quando iniciou. No total, quase 640 pessoas foram atendidas, em 14 comunidades.
Comunicação

O projeto de comunicação pretende estabelecer um contato mais rápido das comunidades ribeirinhas com a cidade mais próxima, Santarém. Até agora o programa já conseguiu, por meio de doações, dois telefones via satélite, que ficam em comunidades estratégicas, para eventuais necessidades. Seis resgates já foram realizados, graças a esses equipamentos.
Como o tempo de viagem para a cidade é muito longo, o acionamento do resgate (ambulancha ou helicóptero) por telefone da própria comunidade pode ser a diferença entre a vida e a morte. Estudos também estão sendo feitos para implantar sinal de internet para os ribeirinhos.
Parceiros

Como os projetos desenvolvidos nas comunidades ribeirinhas são muito dispendiosos, o programa conta com alguns parceiros estratégicos, que possibilitam a execução das ações. A TAM Linhas Aéreas oferece gratuitamente as passagens para os voluntários dos mais diferentes pontos do país até Santarém. A Missão Projeto Amazônia coloca à disposição os equipamentos necessários para os atendimentos odontológicos. A Missão Sal e Luz cede ultraleves para o programa, sem custos com locação. A Nutri Suplementos faz doações de escovas de dente e fios dentais. O Laboratório Evangélico doa coletores de pérfuro-cortantes. E o dentista Dirceu Carvalho, que participa do projeto, disponibiliza equipamentos e funcionários para o processamento do instrumental clínico.

Nenhum comentário:

Postar um comentário